Monday, June 18, 2007

Por vezes na Vida...




Cansei os braços

a pendurar estrelas no céu.

Destino dos fados lassos.

Tudo termina em cansaços,

braços

e estrelas

e eu


Antonio Gedeão

A vida....



Escada sem corrimão


É uma escada em caracol
E que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
Mas nunca passa do chão.
Os degraus, quanto mais altos,
Mais estragados estão,
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.
Sobe-se numa corrida.
Corre-se perigos em vão.

Adivinhaste: é a vida
A escada sem corrimão.


David Mourão-Ferreira

Minha Casa Branca...




Casa branca em frente ao mar enorme,
Com o teu jardim de areia e flores marinhas
E o teu silêncio intacto em que dorme
O milagre das coisas que eram minhas
....................................................................................
A ti eu voltarei após o incerto
Calor de tantos gestos recebidos
passados os tumultos e o deserto
Beijados os fantasmas, percorridos
Os murmúrios da terra indefenida
Em ti renascerei num mundo meu
Ea redenção virá nas tuas linhas
Onde nenhuma coisa se perdeu
Do milagre das coisas que eram minhas.


Sofia de Mello Breyner

As rosas...



Quando á noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.


Sofia de Mello Breyner

Quem me roubou...







Quem me roubou...

Quem me roubou o tempo que era um
Quem me roubou o tempo que era meu
O tempo todo inteiro que sorria
Onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro
E onde por si mesmo o poema se escrevia

Sofia de Mello Breyner

Wednesday, June 13, 2007

Que culpa terão as ondas....



...Que culpa terão as ondas

Dos movimentos que façam?

São os ventos que as impelem

E sulcos profundos traçam.

Aos ventos quem lhes ordena

Que rasguem rugas no mar?

São as nuvens inquietas

Que os não deixam sossegar.

E as nuvens, almas de névoa,

Porque não param, coitadas?

É que as asas das gaivotas

As trazem desafiadas.

Mas as asas das gaivotas

O cansaço há-de detê-las!

Juraram buscar descanso

Nas pupilas das estrelas.

E como as estrelas estão altas

E não tombam nem se alcançam,

As asas das pobrezinhas

Baldamente se cansam

Baldamente se cansam,

Baldamente palpitam!

As nuvens, por fatalismo,

Logo com elas se agitam;

Os impulsos que elas dão

Arrastam as ventanias;

As vagas arfam nos mares

Em macabras fantasias.



Assim as almas inquietas

Prisioneiras de ansiedades,

Mal que se erguem da terra,

Naufragam nas tempestades!


Reinaldo Ferreira

Saturday, June 9, 2007

Poesia...



Folhas de rosa


Todas as prendas que me deste, um dia,
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol,
Eu vou falar com elas em segredo ...
E falo-lhes d'amores e de ilusões,
Choro e rio com elas, mansamente...
Pouco a pouco o perfume do outrora
Flutua em volta delas, docemente ...
Pelo copinho de cristal e prata
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita
Que, triste, me deslumbra e m'embriaga
O espelho de prata cinzelada,
A doce oferta que eu amava tanto,
Que reflectia outrora tantos risos,
E agora reflecte apenas pranto,
E o colar de pedras preciosas,
De lágrimas e estrelas constelado,
Resumem em seus brilhos o que tenho
De vago e de feliz no meu passado...
Mas de todas as prendas, a mais rara,
Aquela que mals fala à fantasia,
São as folhas daquela rosa branca
Que a meus pés desfolhaste, naquele dia...



Florbela Espanca